O processo de envelhecimento traz muitas transformações e o declínio cognitivo que ocorre naturalmente com a idade, ou quando existe algum tipo de demência, pode levar a que os idosos façam acusações a terceiros de algo que não é verdade.
As acusações mais comuns são geralmente de que um familiar ou cuidadores roubaram dinheiro, estão a tentar fazer mal ou que querem manter o idoso fechado em casa.
Os idosos com doença de Alzheimer ou demência, com mais frequência, acusam as pessoas que lhes são mais próximas de roubo, maus tratos ou outros atos mais graves.
Embora existam casos de abuso verdadeiro, que convém verificar se são reais ou não, muitas vezes estas acusações são completamente falsas e são causadas por delírios, que resultam de fortes crenças em coisas que não são reais.
É importante lembrar que o idoso não está a criar estas ilusões propositadamente para magoar ou implicar ou outros. O seu cérebro está em declínio e os delírios e a paranoia são sintomas disso mesmo.
Os delírios, crenças firmemente mantidas em coisas que não são reais, podem ocorrer na fase intermédia ou tardia da doença de Alzheimer.
A confusão e a perda de memória, como a incapacidade de lembrar certas pessoas ou objetos, podem contribuir para estas crenças falsas.
Uma pessoa com Alzheimer pode acreditar que um familiar lhe está a roubar os seus bens ou que está a ser seguida pela polícia. Este tipo de ilusão é geralmente designado por paranoia.
Embora não tenha fundamento na realidade, a situação é muito real para a pessoa com demência, que está a tentar dar sentido ao seu mundo e ao que a rodeia com uma função cognitiva em declínio.
Um delírio não é a mesma coisa que uma alucinação. Enquanto os delírios envolvem falsas crenças, as alucinações são falsas perceções de objetos ou acontecimentos de natureza sensorial.
Quando as pessoas com Alzheimer têm uma alucinação, vêm, ouvem, cheiram, provam ou até sentem algo que não está realmente lá.
Mesmo em situações em que o idoso não está declaradamente com demência ou com a doença de Alzheimer, o declínio cognitivo natural do envelhecimento poderá provocar este tipo de situação que tende a agravar-se em situações de demência.
Porque é que os idosos fazem falsas acusações?
As acusações podem parecer absurdas, mas a situação é muito real para o idoso. A sua mente está a tentar dar sentido ao mundo enquanto as suas capacidades cognitivas estão a diminuir.
As pessoas com demência, em especial, sentem frequentemente ansiedade, frustração e uma sensação de perda. Esses sentimentos, juntamente com a perda de memória e a confusão, podem facilmente levar à paranoia.
Por estes motivos muitos idosos com demência sentem que as pessoas os estão a roubar ou a maltratar. Quando não conseguem encontrar algo que perderam, o seu cérebro leva-os a acreditar que alguém os roubou.
Quando são impedidos de vaguear e de se perderem, pensam que estão a ser mantidos prisioneiros. Estas acusações podem ser extremamente dolorosas de ouvir, mas é importante lembrar que não são ataques pessoais contra os outros.
O cérebro da pessoa idosa não consegue perceber o que está a acontecer e cria uma versão alternativa da realidade para compensar.
Porque a demência pode causar alucinações?
A demência provoca alterações no cérebro que podem levar alguém a ter alucinações, ou seja, a ver, ouvir, sentir ou saborear algo que não existe. O cérebro distorce ou a interpreta mal a informação que chega dos sentidos.
E mesmo que não seja real, a alucinação é muito real para a pessoa que a experimenta. Por exemplo, se o idoso disser que está a ver insetos a rastejar no chão, nada do que se lhe diga o convencerá de que os insetos não existem. O cérebro está a dizer que os insetos são reais.
Algumas alucinações podem ser assustadoras, mas outras podem envolver visões de pessoas comuns, situações ou objetos do passado. Algumas podem até ser agradáveis ou felizes.
Estas alucinações na demência ocorrem normalmente nas fases intermédias ou tardias e são mais comuns na demência de corpos de Lewy e na demência de Parkinson.
Mas também podem ocorrer na doença de Alzheimer e noutros tipos de demência. Com qualquer alucinação, o mais importante é validar a experiência do idoso, responder aos seus sentimentos e mantê-lo seguro.
Formas de lidar com falsas acusações de demência
Lidar com as acusações falsas pode ser muito doloroso emocionalmente, mas há formas de atenuar o seu efeito emocional.
Não levar as coisas para o lado pessoal
Ter em mente que o idoso só está a fazer estas acusações devido ao declínio das suas capacidades cognitivas. Está a tentar dar sentido à sua realidade da melhor forma possível.
Fazer um esforço para manter a calma e não levar estas acusações a peito. Concentrar em tranquilizar o idoso e em mostrar que alguém se preocupa com o que ele está a sentir.
Não discutir ou usar a lógica para convencer
É importante não discutir ou usar a lógica para convencer alguém com demência de que está errado. É simplesmente impossível ganhar uma discussão com alguém cujo cérebro já não processa a lógica corretamente. E argumentar só vai deixar o idoso aborrecido e mais insistente.
Em vez disso, deixar o idoso expressar as suas ideias, sentimentos e opiniões. Será mais fácil acalmar e distrair a pessoa idosa se ela se sentir ouvida e validada.
Utilizar um tom calmo e suave e uma linguagem corporal positiva
Ao responder a alguém que está agitado por causa de algo em que acredita fortemente, é essencial manter a calma. Baixar o nível de adrenalina da situação falando num tom de voz suave e calmo.
Pode também tentar-se tranquilizar a pessoa de formas não verbais, como um toque suave ou um abraço.
Criar um ambiente calmo
Criar um ambiente calmo é outra forma de reduzir a tensão na situação. Reduzir o ruído e a agitação desligando a televisão, pedindo a outras pessoas que saiam da sala ou pondo a tocar canções lentas e suaves ou música clássica num volume baixo. A aromaterapia é outra forma de criar um ambiente relaxante.
Dar respostas simples
Ao responder às acusações, manter as respostas curtas e simples. As explicações ou raciocínios longos podem ser demasiado longos e causar mais agitação e confusão.
Distrair o idoso com uma atividade agradável
A melhor forma de impedir os idosos de ficarem obcecados com a acusação é validar e depois distrair. Mudar para uma atividade divertida, envolvente ou satisfatória assim que possível, depois de mostrar simpatia pelo que sentem.
Poderá ser uma boa altura para oferecer um snack ou uma bebida preferida. Ou pedir ajuda para uma tarefa de que o idoso goste, como dobrar roupa, por exemplo.
Guardar duplicados dos objetos que se perdem frequentemente
Se existir um padrão em que o idoso esconde frequentemente e depois perde um determinado objeto, considerar a possibilidade de comprar vários exemplares desse objeto.
Por exemplo, se está constantemente a perder a carteira, comprar outra do mesmo estilo para que se possa oferecer ajuda para a encontrar.
Procurar apoio
Ser acusado de roubo, abuso ou outras coisas más pode ser devastador. Mesmo que se consiga esconder os verdadeiros sentimentos para evitar perturbar ainda mais o idoso, continua a ser doloroso emocionalmente.
Para ajudar a lidar com a situação, procurar apoio em outras pessoas que estão a passar pelo mesmo processo ou em amigos.
Como reagir quando alguém está a ter alucinações na demência?
No caso dos idosos com algum tipo de demência as alucinações podem ser mais frequentes e assustadoras.
Estes são alguns exemplos de como lidar com este tipo de situação:
Determinar se é necessária uma resposta
O primeiro passo é determinar se a alucinação está a incomodar o idoso ou não. Se for agradável, pode não ser necessário responder ou chamar a atenção para o facto.
Basta saber e aceitar que se trata de um sintoma de demência e que, felizmente, não está a causar sofrimento.
Se a alucinação estiver a perturbar o idoso ou a levá-lo a fazer algo inseguro, então é aconselhável intervir rapidamente para o confortar ou redirecioná-lo para uma atividade segura.
Manter a calma e não discutir
Quando alguém está a ter uma alucinação provocada por algum tipo de demência, é importante manter a calma e evitar contradizer a pessoa. O que a pessoa está a ver é um sintoma de demência e é muito real para ela.
Tentar explicar que não é real simplesmente não vai funcionar devido aos danos que a demência causou no cérebro. De facto, saber que as pessoas não acreditam em si pode deixar o idoso ainda mais perturbado e agitado.
Os danos cerebrais provocados pela demência podem também afetar a capacidade da pessoa para utilizar as palavras corretas.
Validar os sentimentos do idoso e tranquilizar
Não se deve desvalorizar a experiência que o idoso está a ter. Ignorar o que ele diz que está a ver, poderá provocar aborrecimento e maior confusão.
É útil permitir que o idoso fale sobre o que está a ver. O facto de ser levado a sério e de tranquilizar aumenta o seu sentimento de segurança e proteção.
Verificar o ambiente e eliminar possíveis fatores desencadeantes
Muitas vezes, as alucinações provocadas pela demência podem ser despoletadas por coisas que se passam à volta do idoso. O cérebro do idoso com demência pode interpretar as imagens e os sons de forma diferente, provocando alucinações.
Para eliminar possíveis fatores de desencadeamento, verificar se há ruído de fundo ou estímulos visuais no ambiente que possam causar problemas.
Por exemplo, aparelhos como a televisão ou o rádio podem fazer com que o idoso acredite que há estranhos em casa, que o que está a passar na televisão é real ou que está a ouvir vozes.
Uma iluminação fraca pode fazer com que os cantos sombrios sejam uma fonte de medo.
Os reflexos em soalhos ou janelas brilhantes quando está escuro fora e claro dentro podem fazer parecer que há pessoas em casa. Da mesma forma, os espelhos podem ser outra fonte de medo ou confusão.
Oferecer respostas simples e dar garantias
Quando alguém está a ter uma alucinação, não dar longas explicações sobre o que está a acontecer. Tentar processar o que o idoso está a dizer pode aumentar a angústia.
É aconselhável, responder de uma forma calma e solidária. Abraçar suavemente ou dar palmadinhas no braço ou no ombro também pode proporcionar o conforto e a segurança de que o idoso precisa se estiver assustado ou stressado.
Procurar padrões
Se as alucinações acontecem frequentemente, pode haver um fator desencadeante que não é óbvio. Uma forma de descobrir o que pode estar a causar o comportamento é seguir as atividades do idoso e tentar encontrar um padrão.
Tomar notas ou manter um diário pode ajudar a descobrir que certas alucinações acontecem a uma determinada hora do dia, antes ou depois das refeições, ou que estão relacionadas com uma necessidade física, como ir à casa de banho ou ter dores.
Ou pode ser algo tão simples como uma mudança na rotina diária que está a fazer com que a pessoa idosa se sinta confusa ou desorientada e a causar alucinações.
Manter um registo ou tomar notas, ajuda a procurar soluções e desenvolver formas de evitar as situações que podem estar a desencadear as alucinações.
Distrair e redirecionar
Tal como nas acusações falsas, outra estratégia eficaz para lidar com as alucinações é distrair o idoso e desviar a sua atenção para outra coisa. Tentar desviar a atenção para uma atividade que o idoso goste é o ideal.
Se a pessoa idosa estiver a ver alguém ou alguma coisa, colocar-se ao nível dos olhos e tente estabelecer contacto visual com ela. Se o idoso estiver ocupado a olhar para outra pessoa, pode tornar a alucinação menos intensa ou mesmo desaparecer.
Falar com o médico
Poderá ser útil falar com o médico do idoso para descobrir se existe uma razão médica por detrás da alucinação. Isto não altera a situação, mas pode ajudar a encontrar formas de reduzir ou eliminar o comportamento.
Por exemplo, alguns problemas de saúde que podem causar alucinações incluem desidratação, infeções do trato urinário, infeções dos rins ou da bexiga, lesões na cabeça provocadas por quedas ou dores.
Ou se o idoso começou recentemente a tomar uma nova medicação, pode ser um efeito secundário negativo do medicamento ou uma interação com outro medicamento.
Comunicar de imediato ao médico quaisquer alterações no comportamento do idoso. E se estiver a ter problemas de audição ou de visão, isso pode facilmente explicar o facto de ouvir ou ver coisas que não existem.
Contatar o médico imediatamente se a segurança do idoso ou de terceiros estiver em risco.
Se o idoso estiver gravemente perturbado por alucinações ou se as alucinações o levarem a magoar-se a si próprio ou a outros, deverá contatar-se imediatamente o médico para obter ajuda.
Por exemplo, o idoso pode estar a bater para se defender de um suposto agressor, fugir de algo que o assusta ou qualquer outra coisa perigosa. Este tipo de situações pode facilmente provocar ferimentos no idoso ou em terceiros.
Ao falar com o médico, descrever os sintomas, a frequência com que ocorrem e se mudaram de intensidade ou frequência ao longo do tempo. É também útil manter um registo ou notas que possam ajudar o médico a ter uma ideia mais clara do que está a acontecer.
Conclusão
Lidar com falsas acusações de um idoso afetado por demência pode ser emocionalmente difícil e desanimador, quer para os familiares quer para os cuidadores.
O declínio cognitivo associado à doença leva muitas vezes os idosos a acusar falsamente as pessoas que lhes são mais próximas. No entanto, é importante lembrar que estas acusações resultam de danos ocorridos no cérebro e não porque a pessoa está a tentar fazer mal aos outros.
Os danos causados pelo declínio cognitivo no cérebro podem levar à manifestação de acusações falsas.
A demência é caracterizada pela deterioração progressiva das funções cognitivas, incluindo a memória, o raciocínio e a perceção. À medida que a doença avança, várias regiões do cérebro responsáveis pelo processamento e interpretação da informação são afetadas.
Especificamente, os danos causados em determinadas regiões cerebrais podem afetar significativamente a capacidade de uma pessoa perceber a realidade com precisão.
Quando estas áreas são afetadas, as pessoas com demência podem sentir confusão, lapsos de memória e uma perceção distorcida dos acontecimentos e das pessoas.
Podem surgir falsas acusações em resultado do declínio cognitivo, da perda de memória e da má interpretação da informação.
Uma pessoa com Alzheimer pode desconfiar das pessoas que a rodeiam, chegando mesmo a acusar os outros de roubo, infidelidade ou outros comportamentos impróprios. Embora as acusações possam ser dolorosas, é importante lembrar que é a doença que está a causar estes comportamentos e tente não sentir ofensa.
Embora estas acusações possam parecer alarmantes, é crucial reconhecer que muitas vezes resultam de ilusões, crenças fortes em coisas que não são reais, ou alucinações, em vez de danos intencionais reais.
Compreender por que razão estas acusações ocorrem e utilizar estratégias para as abordar com compaixão pode aliviar significativamente a situação, tanto para os prestadores de cuidados como para os idosos.
Juntos Cuidamos Melhor!
Referências:
- Associação Alzheimer Portugal
- Alzheimer’s Society
*Atenção: O Blog Mais que Cuidar é um espaço informativo, de divulgação e educação sobre temas relacionados com saúde e bem-estar, não devendo ser utilizado como substituto ao diagnóstico médico ou tratamento sem antes consultar um profissional de saúde.